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Foto do escritorProjeto Óptica UFPB

A Óptica Newtoniana

A revolução científica do século XVII trouxe intensa curiosidade e esforço de pesquisa para buscar compreender os fenômenos naturais. Um dos temas que despertou maior interesse dos pesquisadores da época foi a questão da natureza e das propriedades da luz, que tinha apelo especial para Sir Isaac Newton (1642- 1727). Este é um breve relato sobre a história de Newton com a luz, e como ele influenciou o modo como a compreendemos hoje em dia.


Em 1661, aos dezoito anos, Isaac Newton chegou na universidade de Cambridge para iniciar seus estudos em filosofia natural (o curso de ciências naturais da época). O currículo em Cambridge na época era bastante conservador, e ainda se estudava as visões de Platão e Aristóteles a respeito do universo. Com sua inteligência característica, Newton percebeu que teria que ir além das disciplinas universitárias para chegar em algum conhecimento real do mundo. Ainda naquele ano, ele escreveu uma lista de assuntos que considerava prioritários em suas investigações, intitulados de ”Certas Questões Filosóficas” (Quaestiones quaedam philosophicae). Entre os tópicos, destacam-se:

  • 20. Sobre a reflexão e refração.

  • 29. Sobre a luz.

  • 32. Sobre a visão.

  • 33. Sobre as cores.¹

De forma que é evidente perceber que, desde o começo, as grandes questões sobre a luz norteariam o trabalho do jovem cientista.


A partir do ano de 1665, Newton iniciou de forma mais concreta seus estudos em óptica. Em especial, ele começou a estudar como as cores são geradas a partir da luz branca. O pensamento convencional da época era que a luz branca era pura, e que os materiais ópticos como lentes e prismas a ”sujavam”, adicionando cores diversas. Como o olho humano funciona como um instrumento óptico, foi por ele que Newton começou seus estudos. De forma bastante perigosa (não existia segurança do trabalho na época), ele inseriu uma longa agulha nas bordas de seu próprio olho, movendo-o e girando-o até observar o surgimento de cores em diferentes ângulos.


Felizmente, poucos meses depois, ele descobriu uma forma mais segura de realizar seus estudos. Comprou dois prismas e, fazendo um pequeno furo na janela da sala de sua casa, fez com que a luz branca do sol passasse pelo primeiro desses. O resultado já era conhecido, e um arco-íris de cores se formou. A novidade foi o que ele fez em seguida: isolou uma das cores formadas e passou pelo segundo prisma. Nada. A cor permaneceu a mesma. Newton concluiu, então, que a verdade era radicalmente oposta à imaginada na época: é a luz colorida que é ”pura”, e a luz branca é uma composição de todas elas. O trabalho do objeto óptico é somente separar (dispersar) cada componente colorida. Para essas diferentes componentes da luz branca, ele deu o nome de ”espectro da luz” (espectro no latim significa ”aparição”, então foi bem apropriado). Com sua recém desenvolvida teoria da luz e cores, ele decidiu, então, atacar um importante problema da época, associado a óptica dos telescópios.


Na segunda metade do século XVII, os telescópios eram refratores - utilizavam lentes e o fenômeno da refração para ver objetos no céu. O problema é que, especialmente para objetos muito distantes, se observava a formação de bordas coloridas nos objetos, um fenômeno que ficou conhecido como aberração cromática. Newton percebeu que as lentes do telescópio agiam de maneira similar ao prisma, dispersando o espectro da luz branca. Ele decidiu então construir um telescópio que utilizava espelhos para focar a imagem dos objetos, no lugar de uma lente objetiva. Seu telescópio não só melhorava consideravelmente o problema da aberração cromática, mas podia ser consideravelmente menor para atingir a mesma magnificação que um telescópio refrator equivalente.


Como lhe era de costume, Newton manteve todas essas pesquisas para si próprio. Entretanto, ao fim de 1671, seu orientador, Isaac Barrow, finalmente o convence a divulgar seus trabalhos na recém formada Royal Society of London - considerada a primeira sociedade científica do mundo. A apresentação do telescópio refletor foi recebida de forma incrivelmente positiva pela sociedade e, no começo de 1672, Newton é eleito como membro. Essa injeção de estímulo o incentivou a publicar, em Fevereiro do mesmo ano, um artigo em que expõe sua teoria de luz e cores².


Figura 1. Newton Mostrando um experimento de óptica para uma plateia - Gravura em Madeira por Martin, baseado em Laverie, C. (Créditos: Wellcome Library, London - http://wellcomeimages.org; Copyrighted work available under Creative Commons Attribution only licence - http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/).


Esperando receber o mesmo apoio anterior, Newton ficou decepcionado ao receber inúmeras respostas negativas e críticas a este trabalho, em especial do curador de experimentos da Royal Society, Robert Hooke, que o acusava de plagiar certas ideias de seu livro Micographia³ , e do pesquisador holandês Christiaan Huygens, partidário da teoria ondulatória da luz. O ano de 1672 foi marcado de contestações e cartas de respostas, todas publicadas no periódico Philosophical Transactions da Royal Society.


Exausto pelas controvérsias, Newton desiste do debate científico no fim de 1672. Ele anuncia a Royal Society que não publicaria mais nada e retira-se da discussão pública pelos próximos quinze anos. A perda foi considerável para a ciência da época, dado que Newton tinha, já naquela época, uma série de notas de palestras sobre óptica para publicação. Essas palestras foram ministradas por ele próprio em Cambridge, onde não só eram detalhados os estudos tradicionais da óptica geométrica - como refração e reflexão - como se expunha de maneira ainda mais clara, suas primeiras incursões ao mundo da óptica física. Esse trabalho só seria publicado depois de sua morte⁴.


Entre 1672 e 1687 (ano que Newton voltaria ao palco científico internacional), ele dedicou-se especialmente à temas ocultos como teologia e alquimia. Curioso é que, ainda assim, sua mente científica continuava trabalhando. A medida que misturava, titulava e filtrava seus componentes químicos, ele percebeu uma interessante analogia com o comportamento da luz, que parecia da mesma forma ser misturada e separada pelos instrumentos ópticos apropriados. Historiadores consideram que essa foi uma das principais inspirações para outra grande contribuição de Newton para a óptica: a defesa de uma teoria corpuscular da luz⁵.


Pelo ano de 1687, Newton havia expandido consideravelmente sua visão corpuscular da luz (o que eventualmente o levaria à atritos ainda maiores com Huygens). Ele havia demonstrado com relativa facilidade como o fenômeno da reflexão pode ser explicado pela luz como partícula: era um simples fenômeno de colisão contra superfícies com certa propriedade especial (refletividade). A refração foi um pouco mais desafiadora de se explicar, mas ele também conseguiu, utilizando também os princípios de colisões entre os corpúsculos luminosos e os componentes de meios de diferentes densidades. Como os problemas da mecânica e gravitação acabariam por dominar sua atenção daquele momento em diante, entretanto, Newton só exporia esse trabalho muitos anos depois, e só viria a publicá-lo de forma detalhada em sua obra prima seminal, ”Optiks”, em 1704.


Da mesma forma que o Principia Mathematica, Optiks é estruturado em três volumes. Diferente, entretanto, é o fato de que foi publicado em inglês, e não latim, como era comum na época. O primeiro volume é dividido em duas partes principais: a primeira expõe detalhadamente o conhecimento da óptica geométrica, discutindo ângulos de refração e reflexão e o tipo de coisa que se aprende no ensino médio nos dias de hoje. Na segunda parte, Newton expõe sua teoria de luz e cores com riqueza de detalhes, dando os primeiros passos no que hoje chamamos de óptica física. No livro dois, Newton realiza diversas aplicações do exposto no primeiro volume, incluindo uma tentativa de explicar as cores intrínsecas dos objetos. Ao longo de todos os volumes, ele expressa suas teorias sob o plano de fundo de que a luz é formada de pequenos corpúsculos individuais.


O terceiro volume é talvez o mais curioso, pois Newton o utiliza quase que inteiro para explorar um fenômeno intrigante que ele havia observado em seus experimentos ópticos mais sofisticados, e denominara de ”inflexão luminosa”. Ele ocorria especialmente quando a luz passava por lâminas finas de vidro colocadas bem próximas uma da outra - ele estava observando a difração da luz. Apesar de escrever de forma eloquente e engenhosa sobre este fenômeno, ele não conseguiu explicá-lo de forma totalmente convincente utilizando a teoria corpuscular da luz⁶. O livro encerra com a proposição de uma série de Queries, questões curtas, que propõe possíveis caminhos para investigação futura. Esses questionamentos norteariam diversas frentes de pesquisa pelos próximos duzentos anos, desde a óptica até a química.


Também diferente do Principia, Optiks foi recebido com considerável aclamação e com quase nenhuma controvérsia (talvez devido ao status elevado de Newton naquela época). Ele seria revisado em duas outras edições (1706 e 1717/1718) por seu autor, e diversas outras depois de sua morte. O trabalho é considerado o epítome da óptica Newtoniana, e figura ao lado do Traité de la Lumière, de Huygens e Astronomiae Pars Optica, de Kepler, como as principais obras de óptica do período da revolução científica.


 

¹NEWTON, I., ”Quaestiones quaedam philosophicae”, digitalizado pelo Newton Project UK, University of Oxford, disponível em: https://www.newtonproject.ox.ac.uk/view/texts/normalized/THEM00092


²”A letter of Mr. Isaac Newton, Professor of the Mathematicks in the University of Cambridge; containing his new theory about light and colors: sent by the author to the publisher from Cambridge, Febr. 6. 1671/72; in order to be communicated to the R. Society”, Phi. Trans. Vol 6, issue 8 (1672).


³”Micrographia: or Some Physiological Descriptions of Minute Bodies Made by Magnifying Glasses. With Observations and Inquiries Thereupon”, Royal Society (1665).


⁴NEWTON, I., ”Lectiones Opticae”, Cambridge University Library (1729); publicado postumamente.


⁵NEWMAN, W.P., ”Newton the Alchemist: Science, Enigma, and the Quest for Nature’s ”Secret Fire”, Princeton University Press (2018).


⁶Feynman faz uma engenhosa demonstração de como fenômenos como interferência e difração poderiam ser visualizados na perspectiva newtoniana em seu livro ”QED: The Strange Theory of Light and Colors” (1985).







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