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Oppenheimer, o Físico

Fotos de Robert Oppenheimer, Max Born e Melba Phillips em frente a uma explosão.
Robert Oppenheimer, Max Born e Melba Phillips

O tão esperado filme de Christopher Nolan, Oppenheimer, fez sua estréia no cinema mundial em 20 de julho, e já é um imenso sucesso de bilheteria. Nas palavras do escritor Brooks Barnes ao The New York Times:

”A guerra de gênero de Greta Gerwig, ”Barbie”, e a guerra nuclear de Christopher Nolan, ”Oppenheimer”, superaram as já estratosféricas expectativas de pré-lançamento nas bilheterias do fim de semana, arrecadando 235,5 milhões de dólares nos Estados Unidos e no Canadá, um total surpreendente que enviou uma mensagem clara a Hollywood: se você quer comandar a cultura, deve dar aos espectadores algo novo - não apenas as mesmas velhas franquias surradas”.1

Esse sucesso cinematográfico tem, é claro, vários motivos: a conhecida genialidade de Nolan como diretor, um elenco recheado de nomes aclamados da atuação como Cillian Murphy e Robert Downey Jr. e, claro, o mistério e intrigas que envolvem a imagem do homem que encabeçou um dos projetos tecnológicos mais ambiciosos da história: a criação de uma bomba atômica. Para além de sua curta passagem por los Alamos, entretanto, Robert Oppenheimer teve imensa importância para a física atômica e nuclear, com contribuições muitas vezes ofuscadas pela infâmia de sua invenção. Este artigo propõe-se a elucidar, de maneira resumida, algumas destas contribuições relevantes, e discutir Oppenheimer como físico.

Antes de discutir suas descobertas científicas, é importante alguma informação biográfica a respeito de sua trajetória. Nascido em 1904 em Nova Iorque, Oppenheimer obteve seu bacharelado em química pela prestigiosa universidade de Harvard em 1925, partindo então para Cambridge, na Inglaterra, para realizar seus estudos de pós-graduação. 2

A atmosfera de Cambridge, na época bastante rigorosa e protocolar, parece ter feito muito mal ao jovem estudante, que ficou depressivo e melancólico em seu tempo lá. Por sorte, conseguiu transferência para a universidade de Gottingen, onde obteve seu doutorado em 1927. Gottingen era, naquela época, centro da discussão sobre a recém fundada área da mecânica quântica, que atraía as mentes jovens mais brilhantes do mundo. Para citar somente alguns, o chefe do departamento de física em Gottingen era ninguém menos que Max Born, que tinha em sua companhia Werner Heisenberg e Pascual Jordan. Naquele ano (1927), também chegaria para contribuir no instituto Paul Dirac, que acabaria por se tornar um dos grandes amigos de Oppenheimer.

O desenvolvimento da mecânica quântica caminhava a passos inseguros, mas longos e velozes, e Oppenheimer queria ter certeza de que sua voz seria ouvida em meio a atmosfera competitiva da universidade alemã. De sua passagem por lá, ele foi descrito como um ”estudante de doutorado de rara habilidade, auto-confiança e presunção”, ou de forma mais jocosa como um ”pavão intelectual”3 .Ele era conhecido em Gottingen por sua insistência e a frequência com que interrompia as palestras de seus colegas estudantes para fazer comentários ou provocações. A situação escalou ao ponto em que foi feito um abaixo assinado, endereçado ao chefe do departamento, em que se ameaçava um boicote aos colóquios caso Oppenheimer não fosse silenciado. Diplomático por natureza, Born resolveu a situação deixando a petição em sua mesa, virada na direção pela qual passavam os estudantes. Não demoraria muito para que Oppenheimer desse uma ’espiada’ no documento e, constrangido, passasse a se controlar.

Depois de obter seu doutorado, Oppenheimer regressou aos Estados Unidos, onde assumiu posições de pesquisa em Berkeley e CALTECH, trabalhando especialmente em áreas associadas à mecânica quântica e física nuclear. Foi somente em 1939 quando, alertado por Albert Einstein e Léo Szilard, que ele começou a se preocupar de forma mais específica com o processo de obtenção de urânio 235 e as particularidades práticas da fissão nuclear. Em 1942 ele integraria oficialmente o projeto Manhattan, que entrava em sua fase de maior atividade, tornando-se rapidamente responsável pelo gerenciamento científico e tecnológico da empreitada. O processo de criação da bomba atômica e suas consequências são amplamente conhecidos e estão no cerne do novo filme.

Quais foram, então, algumas das importantes descobertas de Oppenheimer durante os anos que precederam (e sucederam) a criação da bomba atômica?

  • A aproximação de Born-Oppenheimer. Uma das contribuições mais conhecidas de Oppenheimer na física atômica e molecular é a chamada ”aproximação de Born-Oppenheimer”, proposta quando ele ainda era um estudante de pós-graduação em Gottingen. A ideia é que a função de onda do sistema pode ser ”separada” em uma parte associada aos elétrons, e outra associada ao núcleo atômico. Resolve-se então, a primeira parte, utilizando-se das técnicas tradicionais (equação de Schrodinger depen dente do tempo, etc.), supondo que o núcleo encontra-se em repouso; depois, mediante às informações obtidas do comportamento eletrônico, estima-se correções à dinâmica nuclear. Essa aproximação é particularmente útil no estudo da espectroscopia molecular, onde as energias do sistema podem ser convenientemente separadas como 4 :

Esist = E eletrons + Evibracional + Erotacional + Enuclear (1)

  • O Processo de Oppenheimer-Phillips. Um conhecido processo de fusão nuclear, também conhecido como strip reaction, o processo de Oppenheimer-Phillips descreve um mecanismo em que um deutério (isótopo estável de hidrogênio, formado por um próton e um nêutron), une-se à outro núcleo atômico. Nesse processo, o nêutron do deutério é absorvido pelo outro átomo, que transmuta para um isótopo diferente, enquanto o próton é ejetado com grande liberação de energia (a energia de ligação).O processo pode, em geral, ser descrito como 5 :

D (2) + X (A) H (1) + X (A+1) (2)


Um exemplo desse processo é a interação entre um núcleo de Carbono 12 com o deutério, gerando Carbono 13 radioativo. Oppenheimer e Phillips propuseram o mecanismo em 1935, enquanto o primeiro estava em Berkeley, utilizando-se de constatações experimentais obtidas pelo ciclotron que funcionava na mesma instituição.

  • Tunelamento Quântico. O fenômeno do tunelamento é um dos mais famosos efeitos contra intuitivos da mecânica quântica. Na física clássica, se um objeto tem energia cinética menor que a energia potencial de certa barreira, jamais conseguirá ultrapassá-la. Já na mecânica quântica, dado o aspecto ondulatório dos sistemas, é possível obter coeficientes de transmissão (probabilidades de encontrar a partícula para além da barreira) diferentes de zero, da mesma forma que ondas eletromagnéticas penetrando em certos materiais. Apesar de outros pesquisadores terem percebido efeitos associados ao fenômeno do tunelamento,

Oppenheimer é considerado o primeiro a prever o fenômeno por argumentos exclusivos da mecânica quântica6 . Sua realidade seria constatada experimentalmente por Friedrich Hund em 1927, e ele seria posteriormente aplicado em uma série de áreas, inclusive na explicação do decaimento alfa por George Gamov, supondo o potencial nuclear como uma barreira a ser tunelada pelo núcleo de hélio7 Oppenheimer ainda contribuiu em diversos outros temas, desde a teoria quântica de campos e as interações elétron-pósitron, até estrelas de nêutrons e buracos negros. Curiosamente, apesar disso, nunca ganhou um prêmio Nobel (tendo sido indicado para o mesmo, em 1946). Existe extensa discussão de porque isso aconteceu. Para alguns, Oppenheimer era muito inquieto e mudava de área frequentemente, de modo que não se tornava uma referência fixa em nenhuma tema específico. Para outros, suas contribuições foram mais do que suficientes, e foram questões políticas que o impediram de ser laureado8. De toda forma, é inegável a constatação de que ele deixou uma impressão marcante no mundo da ciência e na história da humanidade.


 
  1. B. Barnes, ”‘Barbie’ Box Office to the World: The Pandemic Is Officially Over”, The New York Times, 23 de julho de 2023

  2. Bird, K. e Sherwin, M. J., ”American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer”, 1Ed. (2006).

  3. G. Farmelo, ”The Strangest Man: The Hidden Life of Paul Dirac, Mystic of the Atom”, 1Ed. (2009).

  4. D. J. Griffiths, ”Introduction to Quantum Mechanics”, 3Ed. (2018)

  5. H. A. Bethe, ”The Oppenheimer-Phillips Process”, Phys. Rev. 53, 39 (1938)

  6. Perfil de J. R. Oppenheimer no Atomic Archive, disponível em: https://www.atomicarchive.com/resources/biographies/oppenheimer.html, acesso em 24 de julho de 2023.

  7. J. J. Sakurai, ”Modern Quantum Mechanics”, 3Ed. (2020)

  8. ”Why didn’t Oppenheimer ever win a Nobel Prize?”, artido publicado pelo Laboratório Nacional de Los Alamos, em junho de 2022.

 

Texto de Lukas Montenegro


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